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Santiago e Deserto do Atacama: 10 dias no Chile e uma enorme lista de sonhos realizados

Eu fui uma criança estranha. Até hoje tenho gostos peculiares. Mas na infância, eu conseguia me superar. Enquanto todos da minha idade assistiam Discovery Kids, eu preferia o Discovery Channel. Colecionava revistas Gênios, e não Recreio. Era loucamente apaixonada pela escola e pelas aulas e por todos os assuntos de todos os livros.

Em resumo, eu era estranha. E não falo isso querendo mostrar algum tipo de arrogância ou superioridade ou nível de QI comparável ao de gênios da ciência. Aliás, sempre quis ser mais normal. Mas parece que as coisas não são tão fáceis assim.

Por que brincar o dia todo de boneca, se eu poderia ler sobre o Sistema Solar, a Via Láctea e a galáxia de Andrômeda? Para que assistir uma manhã inteira de Teletubbies, se eu poderia assistir a um documentário sobre a formação geológica da Terra?

Não me entendam mal. Eu também fazia tudo isso. E inclusive acordava cedíssimo para ver Bananas de Pijamas. Mas por algum motivo estranho, eu gostava de aprender. Sentia, e ainda sinto, uma ânsia absurda em querer saber o que eu ainda não sei. Em dar respostas às milhares de inquietações que podem ocupar a mente de alguém de oito anos de idade.

Um sonho chamado Deserto do Atacama

Valle del Arcoiris, no Atacama

E de alguma forma, o Deserto do Atacama sempre foi sinônimo de respostas para muitas das minhas perguntas. Ele era o exemplo de tanta coisa, que desde muito nova eu me emocionava ao ver fotos suas. Três cordilheiras em um lugar só? Tanta diversidade geológica? Vulcões e gêiseres e salares? O sonho da Camille de 2003. Ainda mais por conta do seu céu, um dos mais limpos do mundo.

Eu não preciso relembrar que viajar nunca foi uma prioridade na minha família. Meu pai, com medo de aviões, sempre preferiu hotéis fazendas e coisas do tipo. Minha mãe nunca colocava as viagens no topo da sua lista de coisas a fazer. Do outro lado estava eu, desde muito nova, sonhando em um dia pisar em um avião.

Assim, conhecer todos os lugares que eu queria, incluindo o Atacama, era um sonho distante demais. Mas ainda bem que o tempo passa. E ainda bem que hoje eu consigo trabalhar e me organizar para viajar pelo menos duas vezes por ano. Ou conseguia. Antes do novo coronavírus.

Como já contei aqui, em janeiro de 2019 passei o feriado do aniversário de São Paulo no Uruguai. E assim que voltei à capital paulista, comecei a pensar nas minhas próximas férias, que teriam bem mais do que três dias.

Férias de julho de 2019

Consegui duas semanas de férias no começo de Julho e passei a organizar os possíveis destinos. Sempre com o objetivo de conhecer mais a América do Sul, no topo da minha lista estavam as Ilhas Galápagos e a Ilha de Páscoa. Mas como os preços das passagens não combinavam com o meu salário de estagiária, recorri ao plano B.

Ele me oferecia duas opções: 15 dias na Colômbia, entre Bogotá, Medellín e Cartagena, ou 10 dias no Chile, entre Santiago e região e o Deserto do Atacama.

Ir para a Colômbia estava mais barato. Tanto as passagens quanto a hospedagem. Mas esta seria mais uma viagem para cidades, algo com o qual estou bem acostumada. Quis sair da minha zona de conforto, o mais classe média sofre que essa frase possa soar, e decidi pelo deserto mais seco do mundo.

Vulcões Lincancabur e Juriques, no Atacama

Esse blog não me deixa mentir: não faço muitas viagens aventureiras. Conhecer belezas naturais é sempre um sonho muito grande, mas eu ainda tenho minhas limitações. Quase sempre viajo sozinha e, sim, ainda tenho receio de encarar certas viagens. Conhecer cidades é sempre uma opção cômoda e mais segura, na minha concepção.

Planejando a viagem para o Chile

Mas como entrei em 2019 decidida a ampliar meu leque de lugares a conhecer, não pensei duas vezes antes de reservar um voo entre Santiago e Calama. Mesmo sendo mais uma viagem solo.

Foi surreal. Comprar aquelas passagens não parecia de verdade. E eu fico muito feliz quando essa sensação toma meus sentidos. Porque quanto mais aumento a frequência das minhas viagens, mais tenho medo de perder o encanto por elas. De não me surpreender mais ao conhecer um lugar novo.

(Mas mesmo depois de dezenas de voos, eu continuo chorando toda a vez que o avião decola. Então acho que estou segura no quesito deslumbramento.)

Tudo aconteceu no fim de fevereiro. Primeiro comprei as passagens entre São Paulo e Santiago, para os dias 01 e 11 de julho, e depois entre Santiago e o aeroporto mais próximo de San Pedro de Atacama, o de Calama, para 06 e 11 de julho. Tudo com a LATAM. Isso porque é mais barato comprar os trechos separados, mas essa dica fica para outro post.

Voos reservados, fui ao meu querido Booking procurar acomodações. Reservei quartos individuais com banheiros compartilhados no Newen Kara Hostel, em Santiago, e no Hostal Sonchek, em San Pedro de Atacama. Na enorme lista de coisas boas de se viajar pela América do Sul, a economia está no top five. Por preços razoáveis, consegui o mínimo de conforto nessa viagem. Não que ele tenha sido completo. Mas os perrengues a gente também deixa para contar depois.

O próximo passo era decidir os passeios. Tanto em Santiago quanto no Atacama, algumas coisas você pode fazer sozinho, enquanto outras requerem uma agência de turismo. Na capital, contratei a Destino Chile para conhecer Portillo. No Atacama, eu queria a melhor experiência possível. Abri mão de economizar e escolhi fazer todos os passeios com a agência Araya Atacama. Ela é bem cara, mas sinceramente? Vale a pena. Se os valores deles couberem no seu orçamento, não pense duas vezes.

Cronograma de viagem

Meu voo saiu de Guarulhos na noite do dia primeiro de julho. Passei o dia 02 em Santiago, o dia 03 em Portillo, o dia 04 em Viña del Mar e Valparaíso e o 05 em Santiago mais uma vez. Na madrugada do dia 06, peguei um voo rumo a Calama. E passei os próximos cinco dias em outro mundo.

Santiago

Parque Forestal, em Santiago

Santiago é a típica capital latinoamericana. Muito parecida com São Paulo ou o Rio, assim como Buenos Aires e Montevidéu, sua dinâmica é um clássico. O centro histórico concentra os principais pontos turísticos. Com muitos prédios antigos, museus e pontos de interesse, ele é extremamente movimentado durante o dia, mas ele dorme cedo.

Por isso, bairros um pouco mais afastados são mais recomendados para hospedagem. Mesmo que você vá passar boa parte do seu tempo no centro. Nesse e em outros casos, o metrô resolve os problemas de locomoção. Mas a cidade é plana, no geral, e caminhar também funciona muito bem.

Centro de Santiago, com vista para a Cordilheira dos Andes

O maior problema de Santiago, e do Chile no geral, está nos preços. Tudo é caro. Então se organize bem, principalmente em termos de alimentação. Outro ponto importante é a segurança. Não tive problemas graves em Santiago, mas os relatos de assaltos, furtos e roubos não são poucos. Então tome os mesmos cuidados que você toma no Brasil.

Portillo

Laguna del Inca, em Portillo

Uma das estações de ski mais conhecidas da região de Santiago é Portillo. Contudo, se as pessoas vão para Farellones ou Valle Nevado para esquiar e brincar na neve, o objetivo em Portillo costuma ser outro. Uma lagoa maravilhosa, a Laguna del Inca, fica dentro do complexo do hotel. E é essa a paisagem que atrai centenas de turistas todos os dias para a estação. Que fica quase na fronteira do Chile com a Argentina.

Conto mais depois, mas já adianto que amei a experiência. Afinal, foi a primeira vez que eu vi a neve.

Viña del Mar e Valparaíso

Viña del Mar

Fui de ônibus para Valparaíso, passei algumas horas lá, peguei um metrô até Viña del Mar e voltei de ônibus para Santiago. E essa foi uma das mais gratas experiências (e surpresas) da viagem. Primeiro porque eu pude ver o Pacíficio. Pela primeira vez. E esse é um grande marco para quem só conhecia o Atlântico.

Segundo porque conhecer essas duas cidades, que ficam no litoral da região metropolitana da capital, é ter uma verdadeira aula. De história. Geografia. Estudos culturais. E uma série de outras disciplinas que eu não poderia listar aqui. Viña del Mar é diametralmente oposta a Valparaíso. E apenas dez minutos de metrô separam as duas.

Arco Británico, em Valparaíso

Esperem por mais detalhes em um post só para elas. Mas se eu pudesse dar uma só dica, ela seria: não deixem as duas de fora do seu roteiro, mas vão sem agências e se juntem aos walking tours das cidades. Vai valer a pena.

Deserto do Atacama

Piedras Rojas, no Atacama

Eu ainda não sei como falar do Deserto do Atacama. Ele me virou de cabeça para baixo. Me fez revisitar a infância e sonhos adormecidos. Reforçou muitos valores meus. Fez crescer outros. Claro, me deu vários tapas na cara. Me fez começar a enxergar alguns vidros embaçados com mais clareza. E deixou meu coração em paz.

Escrevo esse post no meio da pandemia da COVID-19. E todos os dias, quando entro em pânico pensando no futuro, tento pensar em coisas boas que já fiz na vida. E a primeira a invadir minha cabeça sempre é a viagem ao Deserto do Atacama. Ainda bem que eu escolhi o Chile à Colômbia. Ainda bem que fui para o deserto mais seco do mundo.

Essa é uma viagem que eu recomendo para qualquer pessoa. Alguns a vivem com base em espiritualidade e misticismo. Outros, vão para o lado humano e natural da imensidão do deserto. Mas não conheço ninguém que voltou de lá sem alguns suspiros para soltar.

Rota dos Salares, no Deserto do Atacama

E voltar foi triste. Depois de intensos quatro dias e meio, lotados de passeios e coisas para fazer, deixar a amplitude térmica e a aridez para trás doeu. Como ser obrigada a deixar um livro pela metade. Quando você sabe que ele ainda poderia te ensinar muito mais.

Como sempre, não vou dar muitos spoilers. Mas minhas dicas principais são: tente ficar mais de três dias inteiros, escolha bem a sua agência, tenha definidos seus focos e expectativas, mantenha a mente aberta e faça sua mala do jeito certo. Isso, inclusive, eu posso te ensinar depois.

Tchau, Chile

Pisar na neve. Ver o Pacífico. Ir ao Museo de Arte Precolombino. Viajar pela Cordilheira dos Andes. Conhecer um deserto. Olhar para o céu mais limpo do mundo. Ver vulcões. Estar em um campo geotérmico. Ultrapassar os quatro mil metros de altitude. Até hoje, eu ainda não acredito que fiz tudo isso em uma viagem só.

A Camille de oito anos estaria muito orgulhosa de mim nesse momento.