Meu intercâmbio em Paris: a viagem que, sem querer, mudou a minha vida
Esse ano – em 2020 – eu comecei a revisar meus posts antigos e descobri que nunca escrevi uma introdução para o meu intercâmbio em Paris. Achei um grande absurdo e resolvi fazer uma. Ora, foi minha primeira viagem (1) sozinha, (2) de avião e (3) para fora do país, e isso merece todas as explicações possíveis.
Fazer intercâmbio? Sim, por favor
Eu tinha sete anos quando descobri o significado da palavra intercâmbio. E meus olhos brilharam no mesmo segundo. Então era possível, antes de fazer 18 anos, se mudar para outro país? Passar um tempo estudando e conhecendo lugares novos? Falando outro idioma? A Camille de 2004 pisava nas nuvens enquanto descobria mais sobre esse universo. E pouco a pouco, ele se tornou meu mundo inteirinho.
“Qual é o seu sonho?” Quando essa pergunta chegava aos meus ouvidos, a resposta era imediata: fazer um intercâmbio. Na época, eu já estudava inglês há alguns anos, era completamente fissurada em aviões, passava horas ouvindo as histórias de viagens corporativas da minha avó e colecionava mapas. A resposta era óbvia. E ela permeava todos os dias da minha simples vida de criança de sete anos.
Contudo, as ideias não pararam por ali. Eu fiquei obcecada. Comecei a procurar todas as informações que um computador do fim do século XX poderia me oferecer. E descobri todos os detalhes. Foram eles que guiaram a minha vida dos sete aos 15 anos. Me dediquei tanto ao inglês que, aos 14 anos, meu nível era um ótimo avançado. Era a melhor aluna da sala, quiçá de todo o colégio, e via meus ótimos boletins como uma passagem de ida para o meu intercâmbio.
Eu sabia tudo. Pesquisava tudo. Sonhava com tudo. Meu semestre de high school nos Estados Unidos. Essa era a meta. Sempre foi.
Problemas no paraíso
Comecei a correr atrás desse intercâmbio no fim de 2012. Eu tinha 15 anos. Estava no primeiro ano do ensino médio. E a ideia era passar seis meses nos EUA a partir de agosto de 2013. Conversei com os meus pais, mandei e-mails para várias agências, fui em várias reuniões e consumi todo o conteúdo possível na internet.
Eu passei meses completamente obcecada. Eu só lia blogs de intercâmbio e assistia diários de intercâmbio. Nunca tinha encostado num application na vida (o documento gigante que você precisa preencher e enviar para o país onde quer morar), mas já sabia tudo o que ele pedia. Eu era um guia ambulante de informações sobre intercâmbio. E eu nunca fui tão feliz na minha vida.
Era a realização do sonho de uma vida toda. O que eu sempre busquei e esperei. Finalmente estava acontecendo. E tudo parecia estar no lugar. Eu me sentia exatamente onde eu deveria estar. Fazendo o que eu deveria fazer.
Por fim, fechei o pacote de intercâmbio com a CI. Passei por todas as etapas: teste de idioma, consultas médicas e odontológicas, exames, histórico escolar, atestados, documentos mil e suas cópias, cartas e cartas, formulários de preferências. Tudo. Tirei passaporte. Paguei o intercâmbio. Minha documentação foi entregue para os EUA. E eles não me aprovaram.
Intercâmbio de High School
Antes de entrar nesse período trágico da minha vida, eu quero explicar algumas coisas, caso você tenha caído de paraquedas aqui e queira informações sobre intercâmbio de high school. As agências de intercâmbio do Brasil que oferecem esse serviço funcionam como intermediárias. Elas conectam o estudante, você, a uma outra agência. Essa outra agência é americana, a responsável por cuidar de toooodo o processo: te aceitar, achar uma família e uma escola para você, garantir o seu intercâmbio, etc.
Existem várias agências responsáveis por isso, e você vai escolher a sua. Isso depende de alguns fatores, como se você quer uma escola particular ou pública, se você quer escolher a sua região ou não, etc. Isso tudo você escolhe com a sua agência no Brasil, e consequentemente suas decisões vão te levar a algumas opções de agências nos EUA.
As agências brasileiras são uma espécie de assessoria para o intercambista, mas a maior parte das decisões é de fato tomada pela agência de fora – não necessariamente a dos Estados Unidos, mas de qualquer país que você escolher.
Do High School americano ao intercâmbio em Paris
Enfim, explicada a minha situação, falemos da parte triste. Eu sinceramente não consigo colocar em palavras os sentimentos que tomaram conta de mim quando eu recebi a notícia. Eu fui recusada por nunca ter ficado muito tempo longe da minha família e por ter transtornos de ansiedade. E isso doeu tanto em mim.
Estava fazendo terapia há mais de um ano na época, tinha melhorado MUITO – tanto que, antes de começar a terapia, eu tinha desistido de fazer intercâmbio. Para sair de um estado de pânico ao pensar em morar fora para outro de correr atrás de todos os detalhes para fazer isso, é preciso muita evolução, força de vontade de crença em si mesma. Eu sabia que eu tinha tudo aquilo. O intercâmbio era uma das maiores motivações para continuar empenhada na terapia. E eu precisei de muita terapia para superar esse trauma. Na realidade, ele ainda mora comigo. Mas agora eu sei lidar com ele.
Aquele intercâmbio era o meu maior sonho. Tudo o que eu queria fazer na vida, praticamente, pelo menos até aquele momento. Eu passei anos e anos focada em garantir um bom currículo e histórico para entrar em um programa de intercâmbio. Parecia que ia dar certo. Mas de repente, não deu. E eu precisei pensar em um plano B.
Cogitei aplicar para high school em outros países, como o Canadá, mas eu já estava quase em abril. Pensei em tentar de novo no começo do outro ano, mas isso não se encaixava no meu cronograma. Os programas de longo prazo começaram a me assustar por causa do processo de aprovação. Então eu respirei fundo e tive uma ideia: por que não passar um mês na França, estudando francês?
Intercâmbio em Paris, Antibes ou Nice?
Isso tudo aconteceu em menos de três dias, tá? Recebi a ligação sobre a rejeição numa quarta, e no sábado estava na agência para resolver as burocracias do cancelamento. Foi quando perguntei sobre programas de curta duração na França, e recebi mais um balde de água fria.
A agente que me atendeu não era a que estava acompanhando meu processo desde o começo. Na realidade, a Ana (melhor agente de intercâmbio do mundo), estava na época na Experimento, e nós já vamos chegar lá. Essa outra agente era péssima. Sem o mínimo tato. Desinformada. E eu quase chorei na frente dela.
Eu queria ir para Paris, mas ela só encontrou um programa para Nice no catálogo da CI. Ela mal tinha informações, me passou um orçamento absurdo e me deixou bem perdida. Foi nesse momento que eu resolvi correr atrás da Ana. Saí da CI direto para a Experimento, sem marcar horário nem nada, e a Ana perfeita e maravilhosa me atendeu.
O atendimento e humanidade da Ana me fizeram ter a certeza de que eu precisava dela me ajudando naquele momento. Com programas de intercâmbio em Paris ou não, o processo fazia mais sentido do que o destino. E no final, deu tudo certo.
Primeira tentativa: Antibes
Minha primeira opção com a Experimento foi um programa de intercâmbio em grupo. Eu sairia do Brasil com um pequeno grupo de outros adolescentes e um agente, passaria alguns dias em Paris e, depois, mais um mês estudando em Antibes.
Antibes é uma cidade da Riviera Francesa, e por mais que a ideia de um intercâmbio em grupo não me agradasse num primeiro instante, Antibes me conquistou. Além disso, eu estava um pouco sem opções. Esse era o único intercâmbio para a França que, a princípio, a agência tinha no catálogo, então eu me joguei de cabeça na aparente única oportunidade. Até porque eu já estava no final de março, e embarcaria no comecinho de julho.
Porém, acontece que esse grupo precisava de um mínimo de dez pessoas, até uma data específica, para ser confirmado. E com um alto risco desse número não ser alcançado, a Ana conseguiu um programa individual de intercâmbio em Paris.
Segunda tentativa: Paris
Intercâmbio em Paris. De quatro semanas. Individual. Curso de manhã e tardes livres. Preço dentro do esperado. Vamos fechar? Vamos.
Espera um pouco, querida, que esse seu intercâmbio não vai sair tão fácil assim. Quando a Ana foi checar se as inscrições ainda estavam abertas, eles informaram que não havia mais vaga para brasileiros. Sim, tinha uma certa regra sobre o número de participantes por nacionalidade.
A questão toda foi que eu não precisei passar por todo esse stress. Quando a Ana me contou do problema, ela já veio com a solução. A Experimento entrou em contato com outra escola, acho um programa de intercâmbio para as datas que eu queria, e aí sim me explicou a situação da primeira escola e me ofereceu a segunda.
Fechei o programa no começo de maio. Comprei as passagens. Passei o resto dos meses tentando entender todo o agridoce que dançava pela minha língua.
Impacto em uma vida inteira
Existe uma Camille antes e depois da recusa do intercâmbio de high school. E também existe uma Camille antes e depois do intercâmbio em Paris. As duas coexistem. Mas nada vai um dia ser capaz de acabar com toda a dor e trauma que eu passei quando não pude ir pros Estados Unidos.
É meio white people problem? Sim, é. O simples fato de poder sonhar com um intercâmbio, de ter recursos para tirar a ideia do papel e de efetivamente fazer um é privilégio demais. Mas eu já negligenciei sentimentos demais por achar que eu não tinha direito de senti-los, então sendo bem sincera aqui, minha vida e expectativas pro futuro mudaram drasticamente dali pra frente.
Sonhar com algo durante toda a sua infância e adolescência não é só “idealizar um objetivo”. Isso requer planejamento, e cronogramas, e metas e esforços. Eu abri mão de muita coisa por conta desse intercâmbio, e eu literalmente moldei meus comportamentos – na real, minha vida toda – com o objetivo de passar seis meses estudando fora.
E isso tudo virou pó durante uma ligação telefônica. Eu fiquei perdida. Entrei em uma enorme crise de identidade. Aos poucos, fui me acostumando com a ideia de que a vida que eu havia planejado não aconteceria. E isso é demais para uma adolescente privilegiada de 15 anos.
Eu acabei aprendendo demais com essa experiência – sobre expectativas, frustrações, planejamento, imprevistos, adaptabilidade e a capacidade de ver o lado bom das coisas. Mas eu sempre digo que independente dos aprendizados de uma situação ruim, ela continua sendo ruim.
Acredito que lidei – e continuo lidando – bem com esse caso em geral. Contudo, o sentimento não desaparece com o tempo. Parece drama, eu sei. Mas talvez eu nunca consiga colocar em palavras o quanto esse intercâmbio significava pra mim. Então sejam compreensivos comigo hahahahaha.
Eu demorei para ficar feliz com a ideia do intercâmbio em Paris. O período de “luto” foi bem grande. Mas ainda bem que eu não desisti em momento algum. E fui até o Aeroporto de Guarulhos naquele 29 de junho de 2013.
Enfim, meu intercâmbio (em Paris)
Olhando para trás, eu acho muito incrível como eu nunca senti o mínimo medo ou receio de fazer esse intercâmbio. Tinha 16 anos, nunca havia andado de avião, nem saído do país ou viajado 100% sozinha. E em momento algum isso foi um problema ou uma questão. Muito pelo contrário, eu passei a achar tudo incrível. Passado o luto do primeiro intercâmbio, eu me encantei pela ideia de passar ao menos um mês fora, em uma cidade que sempre fora meu sonho: Paris!
Na época eu já estudava francês há dois anos, era doida pela cultura francesa (isso começou bem antes, quando eu descobri a origem do meu nome) e, mais do que tudo, eu sonhava em viajar. Então, eu fui. Me despedi dos meus pais e entrei na sala de embarque fingindo plenitude. Porque na realidade, meu coração estava a mil. De felicidade. Ansiedade boa. Euforia. Animação. Eu estava finalmente vivendo a vida que eu queria. Mas essa viagem se tornou algo muito maior do que isso.
Em um mês eu amadureci tanto, mas tanto, que é até difícil de explicar. Mudei concepções drasticamente. Desenvolvi opiniões muito inesperadas. Passei a amar do Brasil de uma maneira descontrolada. Mas também descobri minha paixão pelo resto do mundo. Comecei a ver absolutamente TUDO com outros olhos. Não foi só uma porta ou janela que se abriu para mim nessa viagem. Mas eu sinto que milhares delas deixaram o sol entrar. E sentir a pele arder nunca foi tão bom.
Eu era uma caixinha. Que tentava esticar seus braços para todos os cantos. De repente, eu explodi a caixa. E o mundo passou a fazer muito mais sentido. Eu entendi o signficado das palavras pertencimento e ânsia (pelo desconhecido). Me tornei 100% mais tolerante e paciente. Quebrei um milhão de estereótipos e preconceitos. Deixei a complexidade cultural do planeta entrar por todos os poros. Eu me permiti isso. Mantive a cabeça aberta para as possibilidades. Saí completamente da minha bolha e zona de conforto. E minha vida nunca mais foi a mesma.
Recentemente li em um museu em Vitória que “a gente só ama aquilo que conhece”. E essa frase sintetiza tudo o que eu sinto em relação a viagens. Eu amo viajar porque é assim que eu descubro o mundo. E é assim que eu aprendo a amar cada um de seus cantinhos.
Paris me apresentou essa possibilidade. A chance de amar o mundo. De entender o quão pequena eu sou (e isso é um baita passo para desenvolvimento pessoal, viu, te ajuda a colocar os problemas em perspectiva). Ao mesmo tempo que descubro que ainda tem muito espaço aqui dentro para amar todos os lugares que eu conseguir conhecer.
Depois da tempestade, sai o Sol
É um mega clichê, eu sei. Mas pra mim, foi real. Hoje eu vejo que o intercâmbio de férias nunca substituiria o intercâmbio de high school. São propósitos diferentes e objetivos diferentes. Mas eu ainda pude viver um deles. E foi muito especial. Me ensinou horrores na experiência no programa. Só que também me ensinou MUITO sobre como lidar com os imprevistos da vida.
Eu não sei o que o intercâmbio de high school me ensinaria. Mas o intercâmbio em Paris mudou a minha vida. E eu sou eternamente grata à cidade luz por essa oportunidade.
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